Mobilidade Rural e Urbana: Por Que o Brasil Precisa da Logística - Aluno Moises Anderson

16/10/2015 12:32

Mobilidade Rural e Urbana: Por Que o Brasil Precisa da Logística

1. Introdução

As mudanças vividas pelo Brasil, nas últi­mas décadas, trouxeram consigo novas responsabilidades. Sem dúvida, o país ex­perimentou verdadeiras revoluções na demogra­fia, na produção agrícola e de recursos minerais, para citar algumas. Contrariando o senso comum, o Centro-Oeste e o Cerrado nordestino se torna­ram campos férteis que abastecem os celeiros da­qui e de muitos países do mundo, graças aos avan­ços tecnológicos em ciências da terra desenvolvi­dos pela Embrapa e por outras instituições.

A tão desejada ocupação do interior do país pela agricultura levou a produção a se distanciar dos cen­tros consumidores internos e externos. Se, outrora, as vias de escoamento, a armazenagem e os portos atendiam de forma razoável à demanda por esses serviços, a rápida expansão dos cultivos gerou ver­dadeiros estrangulamentos e impôs desafios cres­centes aos profissionais de logística das empresas.

Contudo, passadas quase duas décadas de in­vestimentos em infraestrutura muito aquém do necessário e do progressivo desaparelhamento da capacidade estatal de planejamento e gestão, o setor privado viu-se sem os instrumentos ade­quados para internalizar os benefícios do ciclo de alta da demanda por commodities.

Tal demanda deveria ter sido precedida pela implantação de modais adequados ao volume e ao tipo de mercadoria a ser transportada. Grãos e minérios, por exemplo, requerem modais com economias crescentes de escala – como as ferro­vias e hidrovias –, o que se traduz em custos de­crescentes de transporte por unidade de produto.

Como resultado, a população urbana sofre com o crescimento da produção agrícola. Ao per­ceber que caminhões carregados de mercadorias estão causando congestionamentos nas rodovias e impedindo sua locomoção, os cidadãos passam a se interessar pelo tema como algo que lhe é próximo e caro.

As pessoas se dão conta, corretamente, de que problemas muito semelhantes ocorrem den­tro e fora do perímetro urbano. Da mesma forma como o crescimento da produção é desprovido de condições adequadas de transporte, o tráfego lento das cidades se deve à ausência de planeja­mento no ordenamento urbano e aos investimen­tos insuficientes em transportes coletivos de boa qualidade, o que direciona a demanda individual para o automóvel.

É salutar que essa percepção venha acompa­nhada de exigências de melhorias na gestão da coisa pública. Com carga tributária elevada, os brasileiros cobram serviços públicos de qualida­de, sejam eles prestados diretamente ou via con­cessões ao setor privado. O fato é que não é con­cebível despender horas do dia para se deslocar da residência ao trabalho, nem dias de caminhão para levar soja do Mato Grosso aos portos.

É necessário corrigir isso de forma urgente. A boa notícia é que existem plenas condições eco­nômicas, financeiras e técnicas para que isso se materialize. Há no horizonte, ainda, alguns anos de preços favoráveis para os nossos principais produtos de exportação. Também há crédito em abundância, e as finanças públicas estão em con­dições muito melhores que as de duas décadas atrás. Sem entrar em detalhes, vale lembrar que construtoras nacionais executam projetos pelo mundo todo com excelente qualidade. Portanto, é preciso organização, planejamento e execução.

2. A Importância da logística para o agronegócio

2.1 Formação de preços ao produtor

Qual a importância da logística para o agro­negócio? Como a infraestrutura atual prejudica a economia?

Para responder a essas duas perguntas, deve-se mostrar como é a formação de preços das commo­dities agrícolas. Em primeiro lugar, as cotações desses bens são formadas em bolsas de mercado­rias de liquidez internacional, nas quais há grande oferta e procura por contratos de mercadorias. No caso da soja e do milho, isso se dá na Bolsa de Mercadorias de Chicago (CME), onde se estabe­lecem os preços presentes e futuros.

Aos preços da CME são acrescidos os prê­mios internacionais, que podem ser positivos ou negativos. São negociados entre compradores e vendedores e refletem as condições de fretes in­ternacionais, custos portuários e demanda pelo produto. Fretes internacionais e custos portuários mais elevados, bem como demanda relativa mais baixa, reduzem os prêmios, e vice-versa.

Portanto, o preço da soja no porto brasileiro é calculado pela soma da cotação da CME e do prêmio de exportação (negativo ou positivo), ambos em dólares (US$). Convertido pela taxa de câmbio, tem-se o preço em moeda local (R$).

Na sequência, são feitos os descontos levan­do-se em consideração a logística interna. É nes­te momento que a ineficiência fica evidente, pois,  para levar o produto aos portos, a empresa expor­tadora desconta do produtor seus gastos com transporte. Assim, quanto maior a ineficiência logística, maior o desconto.

Se, em uma rodovia em boas condições de trá­fego, um caminhão roda à velocidade de 80 km/h, em outra, esburacada, a média pode chegar a 5 km/h. Somem-se os custos de manutenção do ca­minhão, que sobem de maneira assustadora nessas situações, e tem-se uma elevação expressiva nos fretes. Foi o que ocorreu no auge da colheita em fevereiro deste ano, quando atingiram US$ 150/tonelada de soja em um trajeto longo (em torno de 2.200 km). Para se ter noção da desproporção des­ses valores, cabe compará-los à situação vivida pelos Estados Unidos, nosso principal concorren­te internacional, no pico da sua colheita em outu­bro de 2012. Naquele país, a infraestrutura de transportes foi desenvolvida há muitos anos, e as exportações de soja se realizam predominante­mente (mais de 90%) pelos modais ferroviário e hidroviário. Por isso, mesmo diante da seca severa que reduziu a capacidade da hidrovia do Mississi­pi, os EUA conseguiram movimentar grãos a tari­fas bem mais baixas do que as nossas. Como exemplo, tome-se a tarifa média por tonelada de Twin Cities (MN) a New Orleans (LA), que che­gou a US$ 39,62 para um trajeto de cerca de 1.900 km. Ou a tarifa ferroviária de Council Blouffs (IA) a New Orleans (LA), que, mesmo com au­mento de demanda, aumentou apenas 4% frente ao ano anterior e chegou a US$ 42,81/tonelada para uma distância aproximada de 1.600 km, de acordo com dados do Departamento de Agricultu­ra dos EUA (USDA).

Com esses números, espera-se dar uma ideia de que algo está errado no Brasil. Se se consegue exportar com todos os custos do país e competir com norte-americanos e argentinos, é porque o produtor rural alcançou elevada produtividade, e as deficiências estão “fora da porteira”, ou seja, na capacidade de escoamento da produção.

Basta imaginar uma situação em que os fretes brasileiros caiam a valores semelhantes aos dos EUA para que o produtor receba algo como US$ 100/to nelada a mais do que recebe hoje. Isso lhe daria recursos suficientes para arcar com os elevados custos da legislação ambiental brasileira (que prevê a proteção de áreas de reserva legal e de proteção permanente), bem como para investir na tão propagada construção de silos em proprie­dade, tema que será retomado mais adiante.

2.2 Eficiência dos modais

A humanidade passou por desafios impensá­veis séculos ou mesmo décadas atrás. Preocupa­ções socioambientais estão no topo das agendas de governos e empresas. Produzir, somente, não é mais suficiente. É necessário fazê-lo da forma correta, com respeito às questões sociais e às pre­ocupações ambientais.

Essa é a sustentabilidade almejada por todos, governo e setor privado. Hoje, ambos convergem na percepção de que a logística, sem dúvida, é um elemento que contribui positivamente para a consecução desse objetivo.

Percebe-se isso mediante a análise de eficiên­cia dos modais de transporte medida pelo consu­mo de combustíveis, como o diesel. De 2002 a 2012, as vendas internas do produto aumentaram de 37,7 bilhões de litros para 55,9 bilhões de li­tros, o que configura uma taxa geométrica de crescimento de 4% ao ano. Nesse mesmo perío­do, o PIB brasileiro cresceu 3,6% ao ano, en­quanto a produção de grãos, 5,6% ao ano.

Visto que o uso de diesel é restrito, no Brasil, aos veículos de utilitários, o consumo segue um ritmo claramente insustentável. Ao contrário do desejado, o crescimento econômico tem sido acompanhado de um aumento mais que propor­cional do consumo desse combustível, o que eleva a razão consumo de diesel/produto na economia.

As implicações dessa tendência são várias e, em sua maioria, negativas. Como importador de diesel, o país gasta parte considerável de suas di­visas cambiais nessa rubrica, as quais poderiam ser utilizadas para aquisição de outros bens e ser­viços. Já para a Petrobras, os prejuízos são pro­porcionais às suas importações, pois a empresa segue a determinação do governo federal de in­ternalização do produto a preços abaixo dos in­ternacionais como forma de combater a inflação. Ao final, a empresa se descapitaliza e perde ca­pacidade de investimento.

Nada mais inteligente do que investir em mo­dais mais eficientes do ponto de vista do consumo desse combustível. Estimativas indicam que o transporte por hidrovia consome 5 litros de com­bustível para cada 1 mil tonelada/quilômetro útil (TKU)1, ante 10 litros do transporte ferroviário e 96 litros do rodoviário. Não há eficiência de moto­res que supere a economia dessa substituição de meios de transporte. Uma comparação modesta entre eles mostra que, para cada comboio duplo (um empurrador e quatro chatas) capaz de trans­portar 6 mil toneladas, evita-se o deslocamento de cerca de três comboios Hopper (86 vagões de 70 toneladas cada) ou mais de 160 caminhões bitrem de 37 toneladas. Isso sem falar na redução de aci­dentes de trânsito, que são em número menor nas ferrovias e hidrovias do que nas rodovias. Toda a sociedade ganharia com isso.

Um país que se orgulha do percentual de ener­gias renováveis em sua matriz energética, da redu­ção de taxas de desflorestamento, do cumprimen­to das metas de redução das emissões de gases do efeito estufa e de melhoria nas condições sociais da população tem muito a ganhar em termos eco­nômicos, sociais e ambientais com a ampliação e o aperfeiçoamento da logística de transportes.

2.3 Nova configuração regional da produção de soja

A soja é uma cultura agrícola que permitiu a ocupação do interior do Brasil de forma rentável e com técnicas modernas. A partir da adaptação da oleaginosa às condições edafoclimáticas das latitudes mais baixas do país, criaram-se as con­dições básicas para que o produtor brasileiro vendesse suas propriedades do Sul e do Sudeste

e fosse para as demais regiões com disponibili­dade de terras mais baratas. Na Figura 1, pode-se observar que a estratégia desenhada 40 anos atrás teve sucesso.

Não se trata, porém, unicamente do cultivo da soja. É característica intrínseca à produção brasileira aliar a oleaginosa ao plantio de milho ou mesmo de algodão em segunda safra. Esta, conhecida como “safrinha”, já é digna de um su­fixo aumentativo, pois, já em 2013, foram colhi­dos mais de 46 milhões de toneladas. Ao todo, a safra de grãos, que foi de 68 milhões de tonela­das em 1993, aumentou para 123 milhões de to­neladas em 2003 e superou 187 milhões de tone­ladas em 2013. Isso sem mencionar a produção de carnes, fibras e energia, que também deman­dam transporte.

Em outras palavras, trata-se de um país conti­nental que se redescobriu, nos últimos anos, como potência agrícola e passou de importador a exportador de alimentos, fibras e bioenergia. Em quatro décadas, regiões pouco ou nada explora­das se tornaram centrais para o balanço de oferta e demanda mundial de alimentos.

A economia atravessou tempos difíceis do fi­nal da década de 1970 até meados dos anos 1990. Mesmo assim, a agroindústria se desenvolveu e puxou o restante da economia com seus superá­vits comerciais, geração de empregos e renda.

Porém, contratempos impediram-na de receber uma estrutura à altura do seu crescimento.

Se, portanto, as condições logísticas estavam adequadas à configuração passada da agricultura brasileira, é certo que isso mudou e, hoje, o país precisa enfrentar esta nova realidade. Duas déca­das atrás, Sul e Sudeste produziram 49,5 milhões de toneladas, cerca de 72% da produção nacional de grãos. Neste ano, as duas regiões serão res­ponsáveis por 91,7 milhões de toneladas, em tor­no de 49% da safra. O impacto desses volumes sobre os portos regionais, especialmente Santos (SP), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS), Vitória (ES) e São Francisco do Sul (SC), é evidente.

3. Estado da logística

3.1 Situação atual

Antes de tudo, é preciso lembrar que o país não poderá prescindir do modal rodoviário. Por melhores e mais abrangentes que sejam as ferro­vias e hidrovias, a flexibilidade e a agilidade dos caminhões são necessárias para o transporte de curtas distâncias e para acesso a locais não co­bertos pelos demais meios.

A conclusão relevante é que o país precisa melhorar suas rodovias. Pode-se afirmar, sem co­meter grandes equívocos, que a malha atual co­bre de forma razoavelmente adequada as principais necessidades. Não se quer dizer que não existam projetos de construção importantes, mas, sim, que as preocupações são muito maio­res quando se trata do quesito qualidade versus a quantidade de vias pavimentadas.

Figura 1 – Cartogramas da produção de soja no Brasil: 1991 a 2011

figura1

Rodovias conectam regiões e promovem o progresso, e é assim que as vias brasileiras deve­riam ser vistas. Porém, diversos estudos mos­tram outra realidade.

De acordo com pesquisa da CNT de Rodo­vias 2012, que avaliou as condições de 95 mil km de rodovias, há muito trabalho a ser feito para superar os problemas vividos pelos usuários desses serviços. Os resultados da pesquisa mos­tram que, desse total, apenas 35.654 km (37,3%) podem ser considerados em estado geral ótimo ou bom.

O trabalho é rico em detalhes e os resultados adquirem maior relevância quando a análise é feita por categorias. Assim, no quesito gestão, a participação de rodovias em condições excelen­tes e boas é muito maior no modelo privado do que no público (86,7% ante 27,8%). São proble­mas graves que envolvem:

● Pavimento em estado deficiente em 46% da extensão pesquisada;

● Sinalização insatisfatória em 66,3% das vias;

● Deficiências na geometria das vias: 88,1% delas são de pista simples de mão dupla e 39,4% não possuem acostamento;

● Ocorrência de 221 pontos críticos com riscos para o usuário (buracos grandes, erosão na pista, pontes caídas e quedas de barreira).

A pesquisa avalia as dez melhores e dez piores rodovias do país. Na primeira categoria, todas es­tão no estado de São Paulo e sob gestão privada. Na segunda, as rodovias, em sua maioria, estão distribuídas pelos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões onde floresce a atividade agroindustrial e onde mais se necessitam rodovias que as interliguem com as regiões Sul e Sudeste.

O trabalho conclui que essas deficiências ge­ram aumento de 23% nos custos operacionais dos veículos devido ao aumento de gastos com combustíveis, lubrificantes, freios e pneus, além de ônus relacionados a acidentes com lesões gra­ves e fatais. Em linha com essas conclusões, Bar­tholomeu (2008) avaliou que rodovias em bom estado de conservação proporcionam redução de 7,8% no consumo de combustíveis e 18,7% na manutenção dos veículos, em comparação com as vias em mau estado. São valores expressivos que, extrapolados para a matriz nacional de transportes, ilustram o potencial dos ganhos de eficiência dessas melhorias.

Finalmente, consta no documento que a esti­mativa de investimentos necessários para moder­nizar toda a infraestrutura do país seria de R$ 178 bilhões, dos quais cerca de 80% dispendidos na duplicação de rodovias, recuperação de pavi­mentos e novas pavimentações. O relatório men­ciona, ainda, a necessidade de construção de 9,6 mil km de novas rodovias, os quais exigiriam investimentos de R$ 23,7 bilhões.

A Pesquisa CNT de Ferrovias 2011 mostra que as necessidades são bastante diferentes para o mo­dal ferroviário. De acordo com a publicação, o Bra­sil dispõe de 30 mil km de linhas férreas distribuí­das por 12 malhas. Para um país continental, isso configura uma densidade muito baixa (medida em km de ferrovia / km2 de área) em comparação aos EUA, à Índia, à Argentina, à China e à Rússia.

Portanto, é urgente a construção de novas fer­rovias para atender à demanda por transporte de grãos das novas fronteiras agrícolas para os por­tos. Há carência de 11,5 mil km de novos trilhos, tanto para conectar essas regiões à infraestrutura portuária consolidada do Sul e Sudeste quanto para levar essas mercadorias aos novos terminais fluviais e marítimos do Norte e Nordeste.

Como se verá mais adiante, serão estas as sa­ídas estratégicas para transportar soja, milho e outros produtos via Canal do Panamá, que, a par­tir de 2015, terá sua capacidade de transporte do­brada e poderá receber navios da classe Capesize post-Panamax (150 mil toneladas). Isso tudo tra rá redução de custos e aumento de competitivi­dade da produção brasileira, pois o custo unitário e o tempo de transporte marítimo serão menores.

Além da construção de novos trechos, é fun­damental aumentar a produtividade da malha atual. Não é possível que os setores produtivos dotados das melhores práticas e tecnologias te­nham de conviver com ineficiências que se arras­tam há anos sem solução prática, tais como as decorrentes de conflitos por:

● Invasão de faixas de domínio: situação na qual imóveis residenciais e comerciais se si­tuam perigosamente próximos aos trilhos de forma a colocar em risco moradores e funcio­nários das ferrovias. Para evitar acidentes, os trens devem diminuir a velocidade nesses tre­chos. Isso ocorreu ao longo da gestão da anti­ga RFFSA e, hoje, tornou-se um enorme pro­blema a ser gerenciado pelas atuais conces­sionárias. A solução passa pela retirada des­sas comunidades e seu reassentamento em locais apropriados;

● Travessia de pedestres e veículos em linha férrea: foram identificadas, pelo Programa de Segurança Ferroviária (Prosefer), 1.856 pas­sagens de nível no Brasil, das quais 279 con­sideradas críticas. São necessárias ações es­pecíficas em trabalhos de parceria público­-privada com os vários níveis de governo a fim de solucionar esses pontos e melhorar a qualidade de vida das comunidades envolvi­das, o que requer melhor sinalização e obras de melhorias;

● Travessia de cidades: anos de falta de plane­jamento resultaram no uso compartilhado de vias férreas urbanas com trens de carga, o que prejudica a população das cidades en­volvidas e limita sobremaneira os horários em que as cargas podem cruzar os trechos urbanos, reduzindo sua capacidade efetiva de transporte. A solução para isso é a cons­trução dos contornos ferroviários, tal como o Ferroanel de São Paulo.

É de pleno conhecimento dos agentes de mercado que boa parte da malha se encontra su­butilizada ou abandonada. Com investimentos, será possível colocá-la em operação e retirar das rodovias milhares de caminhões. Em alguns ca­sos, basta eliminar os gargalos que reduzem a velocidade dos trens de 40 km/h para até 5 km/h. Em outros, as obras são mais complexas e exigi­rão duplicação de trechos ou mesmo a recupera­ção completa da ferrovia. Ao todo, os custos fo­ram estimados em R$ 77 bilhões, dos quais R$ 60 bilhões para os novos trechos.

Outros levantamentos e pesquisas chegaram a conclusões semelhantes. O próprio “Programa de Investimentos em Logística: Rodovias e Fer­rovias”, anunciado pela presidente da República em agosto de 2012, concentra os investimentos nas ferrovias, que receberão R$ 91 bilhões para construção de 10 mil km, enquanto as rodovias receberão R$ 42 bilhões para a recuperação e du­plicação de 7,5 mil km. Ou seja, o diagnóstico é semelhante: o país precisa recuperar a malha ro­doviária e de modais de longo curso.

Obras prioritárias2

Vive-se um momento de excesso de demanda por transporte. O equilíbrio da economia, como se sabe, ocorre via preços – neste caso, com au­mentos. Estes agem tanto pela restrição de de­manda quanto pelo aumento de oferta.

É certo que as tarifas ferroviárias se encon­tram descoladas dos custos, a despeito dos esfor­ços de regulação da ANTT. As concessionárias, limitadas pelas tarifas teto de transporte (Resolu­ções nº 3.888 a 3.897, de 2012), contornaram esse impedimento praticando aumentos abusivos nas taxas de operações acessórias, cobradas para serviços de limpeza, por manobra, carregamento, descarregamento etc. A ANTT, sem competência para regular essas cobranças, não foi capaz de prevenir a elevação dos custos totais de transpor­te ferroviário.

Do ponto de vista legal, portanto, será difícil segurar essas práticas. Resta ao país a aplicação dos bons princípios da ciência econômica: se há escassez de transportes, então somente a expan­são da oferta desses em ritmo superior à deman­da poderá exercer pressão suficiente para a baixa das tarifas. Apenas usuários com opções viáveis, seguras e eficientes de transporte podem se negar a aceitar aumentos.

As análises de diferentes institutos, entidades de classe e órgãos governamentais convergem a respeito das obras necessárias para dotar o Brasil de uma infraestrutura de transportes à altura do seu setor produtivo.

É o que ocorre, por exemplo, com as soluções logísticas que possibilitarão o escoamento pelo Norte e Nordeste do país. Já existem soluções de­senhadas para essas rotas, tais como as que preve­em o escoamento de mercadorias pela BR-163 por via rodoviária com transbordo nos portos fluviais de Santarém (PA) e Miritituba/Itaituba (PA) e, de lá, por barcaças até a carga ser embarcada em na­vios pelos portos de Barcarena/Vila do Conde (PA) e Macapá (AP). Para isso, são necessárias construção, recuperação e duplicação de diversos trechos das rodovias, entre elas:

● BR-174/BR-364: de Cuiabá (MT) a Porto Velho (RO);

● BR-158/PA-150/PA-475: de Alto Araguaia (MT) a Barcarena/Belém (PA);

● BR-153: de Belém (PA) a Brasília (DF);MA-006/BR-126/BR-135: de Balsas (MA) a Itaqui (MA);

● BR-163: Cuiabá (MT) a Santarém (PA);

● BR-242/BR-080: de Lucas do Rio Verde (MT) a Peixe (TO).

Paralelamente, devem ser feitos investimen­tos em ferrovias. Neste modal, os gastos iniciais são mais elevados vis-à-vis as rodovias, o que implica tempo de maturação mais longo para amortização dos investimentos. Outra caracterís­tica são os ganhos de escala e de aprendizagem proporcionados pela diluição dos custos fixos e pelo transporte de grandes volumes. Sinergica­mente, essas duas forças atuam de forma a pres­sionar para baixo os custos de transporte e os ín­dices de acidentes e, com isso, toda a sociedade ganha. Em linha com a prioridade dada às saídas setentrionais do país, destacam-se a construção, a expansão e a duplicação dos trechos da:

● Estrada de Ferro Carajás: construção de ra­mal de Estreito (TO) a Balsas (MA);

● Ferrovia Norte-Sul: construção de ramal en­tre Colinas do Tocantins (TO) e Ribeirão Cascalheira (MT) e de Açailândia (MA) a Vila do Conde (PA);

● Ferrovia de Integração Leste-Oeste e Ferro­via de Integração do Centro-Oeste: constru­ção de Vilhena (RO) a Alvorada (TO) e de Alvorada (TO) a Ilhéus (BA);

● ALL Norte/Ferronorte: ampliação até Cuiabá (MT).

Não é demais reforçar que aumentos expressi­vos de produtividade podem ser obtidos com in­vestimentos na solução de gargalos nas ferrovias já existentes. Para isso, são necessários contornos ferroviários de áreas urbanas, duplicação de tre­chos e solução de conflitos urbanos decorrentes de invasão de faixas de domínio e passagens de nível.

Sabe-se que os modelos das concessões em vigor não estimulam os investimentos privados em melhorias. À medida que os seus prazos de encerramento se aproximam, torna-se menos vantajoso imobilizar capital em ativos que serão revertidos à União. É necessário, portanto, en­contrar uma forma de superar esse imbróglio para estimular esses investimentos por parceria público-privada, reversão dos valores pagos pe­los arrendamentos ou outro modelo alternativo.

Também é essencial o pleno aproveita­mento do nosso potencial hidrográfico, o que exige a construção de eclusas, derrocamento de pedrais, sinalização e balizamento, além de terminais portuários que deem plenas con­dições de navegabilidade às hidrovias dos rios Tocantins-Araguaia, Juruena-Teles Pires­-Tapajós e Madeira-Amazonas. Sem tais obras, não será possível aproveitar o poten­cial que essas vias nos oferecem e usufruir das suas diversas vantagens relativamente aos outros modais, conforme nos mostram as Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário (2010), o Plano Hidroviário Es­tratégico (2013) do Ministério dos Transpor­tes e o Plano Nacional de Integração Hidrovi­ária da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq (2013).

Com essas opções, será possível alcançar o desenvolvimento equilibrado da economia. Li­vre concorrência é a tônica do mercado, e ganhos são obtidos pela eficiência e qualidade, não por poderes de monopólio. Quem ganha são usuá­rios, empresas transportadoras e, especialmente, as populações das regiões quase que isoladas do restante do país.

Deve-se lembrar, todavia, que progressos fo­ram feitos em algumas áreas. É o caso dos inves­timentos em terminais portuários fluviais e marí­timos, hoje respaldados pela moderna Lei dos Portos (Lei Federal nº 12.815, de 5 de junho de 2013). Prevê-se que, em pouco tempo, haverá um fluxo de investimentos considerável na cons­trução e na modernização dessas instalações.

Paralelamente, a concessão de linha de cré­dito para construção de armazéns a juros subsi­diados, período de carência e prazo de paga­mento em longo prazo, quando concretizado, trarão alívio ao escoamento da safra. Esta pode­rá ser retida por um tempo maior e aproveitar melhores oportunidades de preços ao longo do ano, o que diminuirá a pressão momentânea so­bre os fretes.

Cabe a ressalva: o alívio proporcionado pela armazenagem é bem-vindo, mas não elimina a necessidade de melhorias na capacidade de es­coamento. Produtores e empresas precisam vender parcela elevada da safra logo após a co­lheita para quitar os custos de produção e, por isso, celebram contratos com prazos de entrega nessa época. A necessidade de vias e portos se mantém, portanto.

3.3 Mudanças necessárias na gestão pública

É fundamental reforçar que as condições ma­teriais para a execução dos projetos supracitados já estão presentes no Brasil. Cabe ao Estado, ente que arrecada cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), adotar as melhores práticas de ges­tão e executá-las diretamente ou com o apoio do setor privado.

Em primeiro lugar, é preciso mudar o trata­mento da logística do Brasil. O tema deve sair da esfera de governos e se tornar política de Estado. Mobilidade é um pré-requisito para a competiti­vidade da economia e para sua integração nas cadeias produtivas internacionais. Aperfeiçoá-la implicará aumento da produtividade geral e do PIB potencial, ou seja, mais espaço para cresci­mento e menos inflação.

Porém, isso só será possível caso os progra­mas de investimentos plurianuais compreendam mais de uma gestão governamental. É certo que o país dispõe de instrumentos de planejamento, como o Plano Nacional de Logística de Trans­portes – PNLT, com suas metas de longo prazo. Mas a sua execução não pode ficar à mercê da política de governos.

Uma possibilidade é que os planos de inves­timentos cubram igualmente dois mandatos se­quenciais, sem rupturas. Nos dois primeiros anos do mandato em curso, ocorreria a elaboração do programa, o qual seria executado no terceiro e quarto anos e nos dois primeiros do mandato se­guinte. Nos dois primeiros anos do primeiro mandato, também se executaria a segunda meta­de do programa de investimentos que começou a ser implementado no terceiro e quarto anos do mandato anterior. Uma ilustração desse esquema pode ser visualizada na Figura 2:

figura2

Não menos importante, o governo deve bus­car maior coordenação entre as autoridades en­volvidas nos projetos. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transpor­te (Conit) é peça fundamental, visto que reúne os principais ministérios responsáveis pela execu­ção dos planos. É preciso, portanto, que o órgão se reúna de forma periódica e que os problemas tenham prazo e método para solução.

Outra necessidade é que os agentes públicos envolvidos nas diversas etapas sejam plenamen­te capacitados para o exercício de suas funções, inclusive com cursos de aperfeiçoamento perió­dicos que lhes proporcionem conhecimentos profundos sobre suas áreas e aprendizado míni­mo sobre as áreas relacionadas. Assim, um pro­fissional envolvido na elaboração do projeto téc­nico deveria conhecer minimamente questões ambientais, a fim de evitar erros facilmente iden­tificáveis, mas que atrasam o andamento do pro­cesso. É essencial que os cargos sejam preenchi­dos com pessoal de formação técnica e de carrei­ra do serviço público.

Ligada a isso está a elaboração de projetos com estrutura e profundidade suficientes para a correta avaliação de custos e benefícios para as empresas interessadas na concessão, para usuá­rios e para o Estado. Não é aceitável que projetos sem o devido rigor técnico continuem sendo uti­lizados como parâmetros para obras públicas e leilões. Como se pode verificar, tal prática gera a necessidade de revisão dos contratos, aumento de custos, atrasos e desgastes, além de prejuízos para os usuários.

Nesse contexto, a criação da Empresa de Pla­nejamento e Logística (EPL) é um avanço, pois significa a retomada da capacidade de planeja­mento e priorização dos projetos de logística no Brasil. Esperam-se da empresa agilidade, trans­parência e diálogo com a sociedade.

Relativamente a esses três itens, entende-se que fazem parte de uma demanda da sociedade por um relacionamento mais próximo com o go­verno, que, em todas as esferas, deve manter um canal de comunicação para informar progressos e dificuldades encontradas, bem como receber sugestões e críticas. Os planos de investimentos, por exemplo, devem ser apresentados com cro­nogramas para as metas globais e parciais a fim de facilitar a discussão e o acompanhamento. Isso deve ser feito de forma periódica e com cer­ta frequência – três vezes ao ano, como sugestão. Certamente, essa prática reduzirá atritos e incer­tezas mútuas.

A comunicação servirá para que todos com­preendam a importância dos projetos para a na­ção. Eliminará dúvidas e mostrará de forma ob­jetiva benefícios, custos e suas compensações/mitigações. Os servidores públicos, imbuídos dos propósitos dos investimentos, terão maior disposição para torná-los concretos. Tudo isso constitui motivação necessária para se construir um projeto de longo prazo.

Tratando-se de concessões públicas, é tam­bém imprescindível, independentemente do mo­delo a ser adotado, que os editais sejam claros e respaldados por modelos legalmente previstos, de forma a evitar questionamentos judiciais.

Neste caso, é necessário garantir, previamente ao início do certame, que todos os interessados te­nham plenas condições econômico-financeiras de realizar o projeto. Somente então, deve-se prosseguir na concorrência, seja ela por menor tarifa, maior outorga ou outro critério. O impor­tante é que empresas sem condições sejam inabi­litadas já no início do processo.

De posse de todas as informações, a remune­ração proposta deve ser calibrada levando-se em consideração os investimentos e os custos de oportunidade do capital. Sem retorno adequado, não será possível atrair o setor privado. Sabe-se, porém, que a eficiência empresarial é superior à pública e, no longo prazo, a sociedade ganha com menor despesa de manutenção de veículos, consumo de combustíveis e acidentes. Para que a sociedade aceite pagar os pedágios, ela precisa ser adequadamente informada sobre os benefí­cios que os custos destes embutem. É importan­te, ainda, que os contratos prevejam formas de estímulo ao aumento de produtividade e de re­passe de parte desses ganhos à sociedade na for­ma de tarifas mais baixas. Assim, os benefícios se tornam mais concretos aos olhos dos usuários.

Finalmente, é preciso fortalecer a capacidade das agências reguladoras de garantir o cumpri­mento dos contratos de concessão e de prestação de serviços aos usuários. Somente dessa forma serão asseguradas a qualidade, a presteza e a efi­ciência de que carecem o Brasil.

4. Conclusões

Neste artigo buscou-se analisar a logística como elemento estratégico para a competi­tividade da economia brasileira e para a integração desta nas cadeias produtivas internacionais. O momento vivido pelo agronegócio nacional é emblemático da precariedade dos modais de transporte, pois há um contraste gritante entre um setor produtivo altamente eficiente e as ine­ficiências do transporte desde a porteira da pro­priedade até a descarga do produto nos navios.

Os ciclos econômicos são relativamente curtos, mas, se bem aproveitados, possibilitam que países deem verdadeiros saltos de competi­tividade e, com isso, proporcionem melhorias substanciais às suas populações. Aos que não sabem usufruir dos períodos de bonança, restará enfrentar a depressão de preços com infraestru­tura atrasada, o que acentuará a perda relativa de competitividade.

O Brasil vive um momento favorável de au­mento da renda e de forte urbanização dos países asiáticos. As matérias-primas locais encontram demanda certa e crescente naquela região, e isso tem garantido a geração de superávits comerciais na balança comercial do agronegócio. Outras commodities, como as metálicas, passam por si­tuação semelhante.

Domesticamente, esse ciclo foi revertido em benefício da melhoria da qualidade de vida das pessoas, com foco no aumento do consumo. A economia cresceu, e o mercado interno é subs­tancialmente maior que o de duas décadas atrás.

Cabe, agora, manter o ritmo de crescimento da economia pela elevação da produtividade do tra­balho. Uma forma de isso ser feito é via melhoria da logística, atividade que gera elevados investi­mentos de capital e aumento do PIB potencial. Isto posto, será possível crescer a taxas mais ele­vadas e com menor pressão sobre os preços.

As condições são favoráveis e a sociedade já se conscientizou da necessidade de mudança do perfil de crescimento da economia brasileira. Bas­ta pôr em prática soluções amplamente conheci­das e divulgadas aqui e no exterior. Mãos à obra!


1 TKU é a unidade que mede a produção de transporte pela multiplicação da quantidade transportada, em toneladas, pela distância útil percorrida, em quilômetros. Considera, de forma equilibrada, as duas variáveis, quantidade e distância, como medidas relevantes para a mensuração de serviços de transporte.
2 Esta seção teve como fontes apresentações do Movimento Pró-Logística (organizado pelas entidades Aprosoja, Ampa, Acrimat, OCB/MT, Famato, Fiemt,
Fecomercio/MT, Instituto Ação Verde, AMM e Crea/MT), e da consultoria Macrologística, e os relatórios
CNT (2011 e 2012).

Documentos consultados


1. BARTHOLOMEU, D.B., CAIXETA FILHO, J.V. Impactos econômicos e ambientais decorrentes
do estado de conservação das rodovias brasileiras: um estudo de caso. Piracicaba – SP, 2008.
2. CNT – Confederação Nacional dos Transportes. Pesquisa CNT de Rodovias 2012.
Brasília – DF, 2012.
3. CNT – Confederação Nacional dos Transportes. Pesquisa CNT de Ferrovias 2011.
Brasília – DF, 2011.
4. R. Velloso, C. Mattos, M. Mendes e P. S. de Freitas. Infraestrutura: os caminhos para
sair do buraco. 2013.
5. Ministério dos Transportes. Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário.
Brasília – DF, 2010.
6. Ministério dos Transportes. Projeto de Reavaliação de Estimativas e Metas do PNLT.
Brasília – DF, 2012.
7. Ministério dos Transportes. Plano Hidroviário Estratégico. Brasília – DF, 2013.
8. Movimento Pró-Logística. Logística no Mato Grosso. [Online]. Disponível em:
https://www.aprosoja.com.br/apresentacoes/. [Acesso em 25 setembro 2013].
9. CNT – Confederação Nacional dos Transportes. Plano CNT de Transporte e Logística 2011.
Brasília – DF, 2011.
10. ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários. PNIH – Plano Nacional
de Integração Hidroviária – vários relatórios. 19 fevereiro 2013. [Online].
Disponível em: https://www.antaq.gov.br/Portal/PNIH.asp. [Acesso em 18 setembro 2013].
11. Macrologística. Projeto Norte Competitivo. 15 março 2011. [Online]. Disponível em:
https://macrologistica.web427.uni5.net/index.php/br/midia/palestras-e-relatorios/228-projeto-norte-competitivo. [Acesso em 2 outubro 2013].
12. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática. [Online]. Disponível em: https://www.sidra.ibge.gov.br. [Acesso em 2 outubro 2013].

Crie um site gratuito Webnode