1. Introdução
As mudanças vividas pelo Brasil, nas últimas décadas, trouxeram consigo novas responsabilidades. Sem dúvida, o país experimentou verdadeiras revoluções na demografia, na produção agrícola e de recursos minerais, para citar algumas. Contrariando o senso comum, o Centro-Oeste e o Cerrado nordestino se tornaram campos férteis que abastecem os celeiros daqui e de muitos países do mundo, graças aos avanços tecnológicos em ciências da terra desenvolvidos pela Embrapa e por outras instituições.
A tão desejada ocupação do interior do país pela agricultura levou a produção a se distanciar dos centros consumidores internos e externos. Se, outrora, as vias de escoamento, a armazenagem e os portos atendiam de forma razoável à demanda por esses serviços, a rápida expansão dos cultivos gerou verdadeiros estrangulamentos e impôs desafios crescentes aos profissionais de logística das empresas.
Contudo, passadas quase duas décadas de investimentos em infraestrutura muito aquém do necessário e do progressivo desaparelhamento da capacidade estatal de planejamento e gestão, o setor privado viu-se sem os instrumentos adequados para internalizar os benefícios do ciclo de alta da demanda por commodities.
Tal demanda deveria ter sido precedida pela implantação de modais adequados ao volume e ao tipo de mercadoria a ser transportada. Grãos e minérios, por exemplo, requerem modais com economias crescentes de escala – como as ferrovias e hidrovias –, o que se traduz em custos decrescentes de transporte por unidade de produto.
Como resultado, a população urbana sofre com o crescimento da produção agrícola. Ao perceber que caminhões carregados de mercadorias estão causando congestionamentos nas rodovias e impedindo sua locomoção, os cidadãos passam a se interessar pelo tema como algo que lhe é próximo e caro.
As pessoas se dão conta, corretamente, de que problemas muito semelhantes ocorrem dentro e fora do perímetro urbano. Da mesma forma como o crescimento da produção é desprovido de condições adequadas de transporte, o tráfego lento das cidades se deve à ausência de planejamento no ordenamento urbano e aos investimentos insuficientes em transportes coletivos de boa qualidade, o que direciona a demanda individual para o automóvel.
É salutar que essa percepção venha acompanhada de exigências de melhorias na gestão da coisa pública. Com carga tributária elevada, os brasileiros cobram serviços públicos de qualidade, sejam eles prestados diretamente ou via concessões ao setor privado. O fato é que não é concebível despender horas do dia para se deslocar da residência ao trabalho, nem dias de caminhão para levar soja do Mato Grosso aos portos.
É necessário corrigir isso de forma urgente. A boa notícia é que existem plenas condições econômicas, financeiras e técnicas para que isso se materialize. Há no horizonte, ainda, alguns anos de preços favoráveis para os nossos principais produtos de exportação. Também há crédito em abundância, e as finanças públicas estão em condições muito melhores que as de duas décadas atrás. Sem entrar em detalhes, vale lembrar que construtoras nacionais executam projetos pelo mundo todo com excelente qualidade. Portanto, é preciso organização, planejamento e execução.
2. A Importância da logística para o agronegócio
2.1 Formação de preços ao produtor
Qual a importância da logística para o agronegócio? Como a infraestrutura atual prejudica a economia?
Para responder a essas duas perguntas, deve-se mostrar como é a formação de preços das commodities agrícolas. Em primeiro lugar, as cotações desses bens são formadas em bolsas de mercadorias de liquidez internacional, nas quais há grande oferta e procura por contratos de mercadorias. No caso da soja e do milho, isso se dá na Bolsa de Mercadorias de Chicago (CME), onde se estabelecem os preços presentes e futuros.
Aos preços da CME são acrescidos os prêmios internacionais, que podem ser positivos ou negativos. São negociados entre compradores e vendedores e refletem as condições de fretes internacionais, custos portuários e demanda pelo produto. Fretes internacionais e custos portuários mais elevados, bem como demanda relativa mais baixa, reduzem os prêmios, e vice-versa.
Portanto, o preço da soja no porto brasileiro é calculado pela soma da cotação da CME e do prêmio de exportação (negativo ou positivo), ambos em dólares (US$). Convertido pela taxa de câmbio, tem-se o preço em moeda local (R$).
Na sequência, são feitos os descontos levando-se em consideração a logística interna. É neste momento que a ineficiência fica evidente, pois, para levar o produto aos portos, a empresa exportadora desconta do produtor seus gastos com transporte. Assim, quanto maior a ineficiência logística, maior o desconto.
Se, em uma rodovia em boas condições de tráfego, um caminhão roda à velocidade de 80 km/h, em outra, esburacada, a média pode chegar a 5 km/h. Somem-se os custos de manutenção do caminhão, que sobem de maneira assustadora nessas situações, e tem-se uma elevação expressiva nos fretes. Foi o que ocorreu no auge da colheita em fevereiro deste ano, quando atingiram US$ 150/tonelada de soja em um trajeto longo (em torno de 2.200 km). Para se ter noção da desproporção desses valores, cabe compará-los à situação vivida pelos Estados Unidos, nosso principal concorrente internacional, no pico da sua colheita em outubro de 2012. Naquele país, a infraestrutura de transportes foi desenvolvida há muitos anos, e as exportações de soja se realizam predominantemente (mais de 90%) pelos modais ferroviário e hidroviário. Por isso, mesmo diante da seca severa que reduziu a capacidade da hidrovia do Mississipi, os EUA conseguiram movimentar grãos a tarifas bem mais baixas do que as nossas. Como exemplo, tome-se a tarifa média por tonelada de Twin Cities (MN) a New Orleans (LA), que chegou a US$ 39,62 para um trajeto de cerca de 1.900 km. Ou a tarifa ferroviária de Council Blouffs (IA) a New Orleans (LA), que, mesmo com aumento de demanda, aumentou apenas 4% frente ao ano anterior e chegou a US$ 42,81/tonelada para uma distância aproximada de 1.600 km, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
Com esses números, espera-se dar uma ideia de que algo está errado no Brasil. Se se consegue exportar com todos os custos do país e competir com norte-americanos e argentinos, é porque o produtor rural alcançou elevada produtividade, e as deficiências estão “fora da porteira”, ou seja, na capacidade de escoamento da produção.
Basta imaginar uma situação em que os fretes brasileiros caiam a valores semelhantes aos dos EUA para que o produtor receba algo como US$ 100/to nelada a mais do que recebe hoje. Isso lhe daria recursos suficientes para arcar com os elevados custos da legislação ambiental brasileira (que prevê a proteção de áreas de reserva legal e de proteção permanente), bem como para investir na tão propagada construção de silos em propriedade, tema que será retomado mais adiante.
2.2 Eficiência dos modais
A humanidade passou por desafios impensáveis séculos ou mesmo décadas atrás. Preocupações socioambientais estão no topo das agendas de governos e empresas. Produzir, somente, não é mais suficiente. É necessário fazê-lo da forma correta, com respeito às questões sociais e às preocupações ambientais.
Essa é a sustentabilidade almejada por todos, governo e setor privado. Hoje, ambos convergem na percepção de que a logística, sem dúvida, é um elemento que contribui positivamente para a consecução desse objetivo.
Percebe-se isso mediante a análise de eficiência dos modais de transporte medida pelo consumo de combustíveis, como o diesel. De 2002 a 2012, as vendas internas do produto aumentaram de 37,7 bilhões de litros para 55,9 bilhões de litros, o que configura uma taxa geométrica de crescimento de 4% ao ano. Nesse mesmo período, o PIB brasileiro cresceu 3,6% ao ano, enquanto a produção de grãos, 5,6% ao ano.
Visto que o uso de diesel é restrito, no Brasil, aos veículos de utilitários, o consumo segue um ritmo claramente insustentável. Ao contrário do desejado, o crescimento econômico tem sido acompanhado de um aumento mais que proporcional do consumo desse combustível, o que eleva a razão consumo de diesel/produto na economia.
As implicações dessa tendência são várias e, em sua maioria, negativas. Como importador de diesel, o país gasta parte considerável de suas divisas cambiais nessa rubrica, as quais poderiam ser utilizadas para aquisição de outros bens e serviços. Já para a Petrobras, os prejuízos são proporcionais às suas importações, pois a empresa segue a determinação do governo federal de internalização do produto a preços abaixo dos internacionais como forma de combater a inflação. Ao final, a empresa se descapitaliza e perde capacidade de investimento.
Nada mais inteligente do que investir em modais mais eficientes do ponto de vista do consumo desse combustível. Estimativas indicam que o transporte por hidrovia consome 5 litros de combustível para cada 1 mil tonelada/quilômetro útil (TKU)1, ante 10 litros do transporte ferroviário e 96 litros do rodoviário. Não há eficiência de motores que supere a economia dessa substituição de meios de transporte. Uma comparação modesta entre eles mostra que, para cada comboio duplo (um empurrador e quatro chatas) capaz de transportar 6 mil toneladas, evita-se o deslocamento de cerca de três comboios Hopper (86 vagões de 70 toneladas cada) ou mais de 160 caminhões bitrem de 37 toneladas. Isso sem falar na redução de acidentes de trânsito, que são em número menor nas ferrovias e hidrovias do que nas rodovias. Toda a sociedade ganharia com isso.
Um país que se orgulha do percentual de energias renováveis em sua matriz energética, da redução de taxas de desflorestamento, do cumprimento das metas de redução das emissões de gases do efeito estufa e de melhoria nas condições sociais da população tem muito a ganhar em termos econômicos, sociais e ambientais com a ampliação e o aperfeiçoamento da logística de transportes.
2.3 Nova configuração regional da produção de soja
A soja é uma cultura agrícola que permitiu a ocupação do interior do Brasil de forma rentável e com técnicas modernas. A partir da adaptação da oleaginosa às condições edafoclimáticas das latitudes mais baixas do país, criaram-se as condições básicas para que o produtor brasileiro vendesse suas propriedades do Sul e do Sudeste
e fosse para as demais regiões com disponibilidade de terras mais baratas. Na Figura 1, pode-se observar que a estratégia desenhada 40 anos atrás teve sucesso.
Não se trata, porém, unicamente do cultivo da soja. É característica intrínseca à produção brasileira aliar a oleaginosa ao plantio de milho ou mesmo de algodão em segunda safra. Esta, conhecida como “safrinha”, já é digna de um sufixo aumentativo, pois, já em 2013, foram colhidos mais de 46 milhões de toneladas. Ao todo, a safra de grãos, que foi de 68 milhões de toneladas em 1993, aumentou para 123 milhões de toneladas em 2003 e superou 187 milhões de toneladas em 2013. Isso sem mencionar a produção de carnes, fibras e energia, que também demandam transporte.
Em outras palavras, trata-se de um país continental que se redescobriu, nos últimos anos, como potência agrícola e passou de importador a exportador de alimentos, fibras e bioenergia. Em quatro décadas, regiões pouco ou nada exploradas se tornaram centrais para o balanço de oferta e demanda mundial de alimentos.
A economia atravessou tempos difíceis do final da década de 1970 até meados dos anos 1990. Mesmo assim, a agroindústria se desenvolveu e puxou o restante da economia com seus superávits comerciais, geração de empregos e renda.
Porém, contratempos impediram-na de receber uma estrutura à altura do seu crescimento.
Se, portanto, as condições logísticas estavam adequadas à configuração passada da agricultura brasileira, é certo que isso mudou e, hoje, o país precisa enfrentar esta nova realidade. Duas décadas atrás, Sul e Sudeste produziram 49,5 milhões de toneladas, cerca de 72% da produção nacional de grãos. Neste ano, as duas regiões serão responsáveis por 91,7 milhões de toneladas, em torno de 49% da safra. O impacto desses volumes sobre os portos regionais, especialmente Santos (SP), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS), Vitória (ES) e São Francisco do Sul (SC), é evidente.
3. Estado da logística
3.1 Situação atual
Antes de tudo, é preciso lembrar que o país não poderá prescindir do modal rodoviário. Por melhores e mais abrangentes que sejam as ferrovias e hidrovias, a flexibilidade e a agilidade dos caminhões são necessárias para o transporte de curtas distâncias e para acesso a locais não cobertos pelos demais meios.
A conclusão relevante é que o país precisa melhorar suas rodovias. Pode-se afirmar, sem cometer grandes equívocos, que a malha atual cobre de forma razoavelmente adequada as principais necessidades. Não se quer dizer que não existam projetos de construção importantes, mas, sim, que as preocupações são muito maiores quando se trata do quesito qualidade versus a quantidade de vias pavimentadas.
Figura 1 – Cartogramas da produção de soja no Brasil: 1991 a 2011
Rodovias conectam regiões e promovem o progresso, e é assim que as vias brasileiras deveriam ser vistas. Porém, diversos estudos mostram outra realidade.
De acordo com pesquisa da CNT de Rodovias 2012, que avaliou as condições de 95 mil km de rodovias, há muito trabalho a ser feito para superar os problemas vividos pelos usuários desses serviços. Os resultados da pesquisa mostram que, desse total, apenas 35.654 km (37,3%) podem ser considerados em estado geral ótimo ou bom.
O trabalho é rico em detalhes e os resultados adquirem maior relevância quando a análise é feita por categorias. Assim, no quesito gestão, a participação de rodovias em condições excelentes e boas é muito maior no modelo privado do que no público (86,7% ante 27,8%). São problemas graves que envolvem:
● Pavimento em estado deficiente em 46% da extensão pesquisada;
● Sinalização insatisfatória em 66,3% das vias;
● Deficiências na geometria das vias: 88,1% delas são de pista simples de mão dupla e 39,4% não possuem acostamento;
● Ocorrência de 221 pontos críticos com riscos para o usuário (buracos grandes, erosão na pista, pontes caídas e quedas de barreira).
A pesquisa avalia as dez melhores e dez piores rodovias do país. Na primeira categoria, todas estão no estado de São Paulo e sob gestão privada. Na segunda, as rodovias, em sua maioria, estão distribuídas pelos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões onde floresce a atividade agroindustrial e onde mais se necessitam rodovias que as interliguem com as regiões Sul e Sudeste.
O trabalho conclui que essas deficiências geram aumento de 23% nos custos operacionais dos veículos devido ao aumento de gastos com combustíveis, lubrificantes, freios e pneus, além de ônus relacionados a acidentes com lesões graves e fatais. Em linha com essas conclusões, Bartholomeu (2008) avaliou que rodovias em bom estado de conservação proporcionam redução de 7,8% no consumo de combustíveis e 18,7% na manutenção dos veículos, em comparação com as vias em mau estado. São valores expressivos que, extrapolados para a matriz nacional de transportes, ilustram o potencial dos ganhos de eficiência dessas melhorias.
Finalmente, consta no documento que a estimativa de investimentos necessários para modernizar toda a infraestrutura do país seria de R$ 178 bilhões, dos quais cerca de 80% dispendidos na duplicação de rodovias, recuperação de pavimentos e novas pavimentações. O relatório menciona, ainda, a necessidade de construção de 9,6 mil km de novas rodovias, os quais exigiriam investimentos de R$ 23,7 bilhões.
A Pesquisa CNT de Ferrovias 2011 mostra que as necessidades são bastante diferentes para o modal ferroviário. De acordo com a publicação, o Brasil dispõe de 30 mil km de linhas férreas distribuídas por 12 malhas. Para um país continental, isso configura uma densidade muito baixa (medida em km de ferrovia / km2 de área) em comparação aos EUA, à Índia, à Argentina, à China e à Rússia.
Portanto, é urgente a construção de novas ferrovias para atender à demanda por transporte de grãos das novas fronteiras agrícolas para os portos. Há carência de 11,5 mil km de novos trilhos, tanto para conectar essas regiões à infraestrutura portuária consolidada do Sul e Sudeste quanto para levar essas mercadorias aos novos terminais fluviais e marítimos do Norte e Nordeste.
Como se verá mais adiante, serão estas as saídas estratégicas para transportar soja, milho e outros produtos via Canal do Panamá, que, a partir de 2015, terá sua capacidade de transporte dobrada e poderá receber navios da classe Capesize post-Panamax (150 mil toneladas). Isso tudo tra rá redução de custos e aumento de competitividade da produção brasileira, pois o custo unitário e o tempo de transporte marítimo serão menores.
Além da construção de novos trechos, é fundamental aumentar a produtividade da malha atual. Não é possível que os setores produtivos dotados das melhores práticas e tecnologias tenham de conviver com ineficiências que se arrastam há anos sem solução prática, tais como as decorrentes de conflitos por:
● Invasão de faixas de domínio: situação na qual imóveis residenciais e comerciais se situam perigosamente próximos aos trilhos de forma a colocar em risco moradores e funcionários das ferrovias. Para evitar acidentes, os trens devem diminuir a velocidade nesses trechos. Isso ocorreu ao longo da gestão da antiga RFFSA e, hoje, tornou-se um enorme problema a ser gerenciado pelas atuais concessionárias. A solução passa pela retirada dessas comunidades e seu reassentamento em locais apropriados;
● Travessia de pedestres e veículos em linha férrea: foram identificadas, pelo Programa de Segurança Ferroviária (Prosefer), 1.856 passagens de nível no Brasil, das quais 279 consideradas críticas. São necessárias ações específicas em trabalhos de parceria público-privada com os vários níveis de governo a fim de solucionar esses pontos e melhorar a qualidade de vida das comunidades envolvidas, o que requer melhor sinalização e obras de melhorias;
● Travessia de cidades: anos de falta de planejamento resultaram no uso compartilhado de vias férreas urbanas com trens de carga, o que prejudica a população das cidades envolvidas e limita sobremaneira os horários em que as cargas podem cruzar os trechos urbanos, reduzindo sua capacidade efetiva de transporte. A solução para isso é a construção dos contornos ferroviários, tal como o Ferroanel de São Paulo.
É de pleno conhecimento dos agentes de mercado que boa parte da malha se encontra subutilizada ou abandonada. Com investimentos, será possível colocá-la em operação e retirar das rodovias milhares de caminhões. Em alguns casos, basta eliminar os gargalos que reduzem a velocidade dos trens de 40 km/h para até 5 km/h. Em outros, as obras são mais complexas e exigirão duplicação de trechos ou mesmo a recuperação completa da ferrovia. Ao todo, os custos foram estimados em R$ 77 bilhões, dos quais R$ 60 bilhões para os novos trechos.
Outros levantamentos e pesquisas chegaram a conclusões semelhantes. O próprio “Programa de Investimentos em Logística: Rodovias e Ferrovias”, anunciado pela presidente da República em agosto de 2012, concentra os investimentos nas ferrovias, que receberão R$ 91 bilhões para construção de 10 mil km, enquanto as rodovias receberão R$ 42 bilhões para a recuperação e duplicação de 7,5 mil km. Ou seja, o diagnóstico é semelhante: o país precisa recuperar a malha rodoviária e de modais de longo curso.
Obras prioritárias2
Vive-se um momento de excesso de demanda por transporte. O equilíbrio da economia, como se sabe, ocorre via preços – neste caso, com aumentos. Estes agem tanto pela restrição de demanda quanto pelo aumento de oferta.
É certo que as tarifas ferroviárias se encontram descoladas dos custos, a despeito dos esforços de regulação da ANTT. As concessionárias, limitadas pelas tarifas teto de transporte (Resoluções nº 3.888 a 3.897, de 2012), contornaram esse impedimento praticando aumentos abusivos nas taxas de operações acessórias, cobradas para serviços de limpeza, por manobra, carregamento, descarregamento etc. A ANTT, sem competência para regular essas cobranças, não foi capaz de prevenir a elevação dos custos totais de transporte ferroviário.
Do ponto de vista legal, portanto, será difícil segurar essas práticas. Resta ao país a aplicação dos bons princípios da ciência econômica: se há escassez de transportes, então somente a expansão da oferta desses em ritmo superior à demanda poderá exercer pressão suficiente para a baixa das tarifas. Apenas usuários com opções viáveis, seguras e eficientes de transporte podem se negar a aceitar aumentos.
As análises de diferentes institutos, entidades de classe e órgãos governamentais convergem a respeito das obras necessárias para dotar o Brasil de uma infraestrutura de transportes à altura do seu setor produtivo.
É o que ocorre, por exemplo, com as soluções logísticas que possibilitarão o escoamento pelo Norte e Nordeste do país. Já existem soluções desenhadas para essas rotas, tais como as que preveem o escoamento de mercadorias pela BR-163 por via rodoviária com transbordo nos portos fluviais de Santarém (PA) e Miritituba/Itaituba (PA) e, de lá, por barcaças até a carga ser embarcada em navios pelos portos de Barcarena/Vila do Conde (PA) e Macapá (AP). Para isso, são necessárias construção, recuperação e duplicação de diversos trechos das rodovias, entre elas:
● BR-174/BR-364: de Cuiabá (MT) a Porto Velho (RO);
● BR-158/PA-150/PA-475: de Alto Araguaia (MT) a Barcarena/Belém (PA);
● BR-153: de Belém (PA) a Brasília (DF);MA-006/BR-126/BR-135: de Balsas (MA) a Itaqui (MA);
● BR-163: Cuiabá (MT) a Santarém (PA);
● BR-242/BR-080: de Lucas do Rio Verde (MT) a Peixe (TO).
Paralelamente, devem ser feitos investimentos em ferrovias. Neste modal, os gastos iniciais são mais elevados vis-à-vis as rodovias, o que implica tempo de maturação mais longo para amortização dos investimentos. Outra característica são os ganhos de escala e de aprendizagem proporcionados pela diluição dos custos fixos e pelo transporte de grandes volumes. Sinergicamente, essas duas forças atuam de forma a pressionar para baixo os custos de transporte e os índices de acidentes e, com isso, toda a sociedade ganha. Em linha com a prioridade dada às saídas setentrionais do país, destacam-se a construção, a expansão e a duplicação dos trechos da:
● Estrada de Ferro Carajás: construção de ramal de Estreito (TO) a Balsas (MA);
● Ferrovia Norte-Sul: construção de ramal entre Colinas do Tocantins (TO) e Ribeirão Cascalheira (MT) e de Açailândia (MA) a Vila do Conde (PA);
● Ferrovia de Integração Leste-Oeste e Ferrovia de Integração do Centro-Oeste: construção de Vilhena (RO) a Alvorada (TO) e de Alvorada (TO) a Ilhéus (BA);
● ALL Norte/Ferronorte: ampliação até Cuiabá (MT).
Não é demais reforçar que aumentos expressivos de produtividade podem ser obtidos com investimentos na solução de gargalos nas ferrovias já existentes. Para isso, são necessários contornos ferroviários de áreas urbanas, duplicação de trechos e solução de conflitos urbanos decorrentes de invasão de faixas de domínio e passagens de nível.
Sabe-se que os modelos das concessões em vigor não estimulam os investimentos privados em melhorias. À medida que os seus prazos de encerramento se aproximam, torna-se menos vantajoso imobilizar capital em ativos que serão revertidos à União. É necessário, portanto, encontrar uma forma de superar esse imbróglio para estimular esses investimentos por parceria público-privada, reversão dos valores pagos pelos arrendamentos ou outro modelo alternativo.
Também é essencial o pleno aproveitamento do nosso potencial hidrográfico, o que exige a construção de eclusas, derrocamento de pedrais, sinalização e balizamento, além de terminais portuários que deem plenas condições de navegabilidade às hidrovias dos rios Tocantins-Araguaia, Juruena-Teles Pires-Tapajós e Madeira-Amazonas. Sem tais obras, não será possível aproveitar o potencial que essas vias nos oferecem e usufruir das suas diversas vantagens relativamente aos outros modais, conforme nos mostram as Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário (2010), o Plano Hidroviário Estratégico (2013) do Ministério dos Transportes e o Plano Nacional de Integração Hidroviária da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq (2013).
Com essas opções, será possível alcançar o desenvolvimento equilibrado da economia. Livre concorrência é a tônica do mercado, e ganhos são obtidos pela eficiência e qualidade, não por poderes de monopólio. Quem ganha são usuários, empresas transportadoras e, especialmente, as populações das regiões quase que isoladas do restante do país.
Deve-se lembrar, todavia, que progressos foram feitos em algumas áreas. É o caso dos investimentos em terminais portuários fluviais e marítimos, hoje respaldados pela moderna Lei dos Portos (Lei Federal nº 12.815, de 5 de junho de 2013). Prevê-se que, em pouco tempo, haverá um fluxo de investimentos considerável na construção e na modernização dessas instalações.
Paralelamente, a concessão de linha de crédito para construção de armazéns a juros subsidiados, período de carência e prazo de pagamento em longo prazo, quando concretizado, trarão alívio ao escoamento da safra. Esta poderá ser retida por um tempo maior e aproveitar melhores oportunidades de preços ao longo do ano, o que diminuirá a pressão momentânea sobre os fretes.
Cabe a ressalva: o alívio proporcionado pela armazenagem é bem-vindo, mas não elimina a necessidade de melhorias na capacidade de escoamento. Produtores e empresas precisam vender parcela elevada da safra logo após a colheita para quitar os custos de produção e, por isso, celebram contratos com prazos de entrega nessa época. A necessidade de vias e portos se mantém, portanto.
3.3 Mudanças necessárias na gestão pública
É fundamental reforçar que as condições materiais para a execução dos projetos supracitados já estão presentes no Brasil. Cabe ao Estado, ente que arrecada cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), adotar as melhores práticas de gestão e executá-las diretamente ou com o apoio do setor privado.
Em primeiro lugar, é preciso mudar o tratamento da logística do Brasil. O tema deve sair da esfera de governos e se tornar política de Estado. Mobilidade é um pré-requisito para a competitividade da economia e para sua integração nas cadeias produtivas internacionais. Aperfeiçoá-la implicará aumento da produtividade geral e do PIB potencial, ou seja, mais espaço para crescimento e menos inflação.
Porém, isso só será possível caso os programas de investimentos plurianuais compreendam mais de uma gestão governamental. É certo que o país dispõe de instrumentos de planejamento, como o Plano Nacional de Logística de Transportes – PNLT, com suas metas de longo prazo. Mas a sua execução não pode ficar à mercê da política de governos.
Uma possibilidade é que os planos de investimentos cubram igualmente dois mandatos sequenciais, sem rupturas. Nos dois primeiros anos do mandato em curso, ocorreria a elaboração do programa, o qual seria executado no terceiro e quarto anos e nos dois primeiros do mandato seguinte. Nos dois primeiros anos do primeiro mandato, também se executaria a segunda metade do programa de investimentos que começou a ser implementado no terceiro e quarto anos do mandato anterior. Uma ilustração desse esquema pode ser visualizada na Figura 2:
Não menos importante, o governo deve buscar maior coordenação entre as autoridades envolvidas nos projetos. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit) é peça fundamental, visto que reúne os principais ministérios responsáveis pela execução dos planos. É preciso, portanto, que o órgão se reúna de forma periódica e que os problemas tenham prazo e método para solução.
Outra necessidade é que os agentes públicos envolvidos nas diversas etapas sejam plenamente capacitados para o exercício de suas funções, inclusive com cursos de aperfeiçoamento periódicos que lhes proporcionem conhecimentos profundos sobre suas áreas e aprendizado mínimo sobre as áreas relacionadas. Assim, um profissional envolvido na elaboração do projeto técnico deveria conhecer minimamente questões ambientais, a fim de evitar erros facilmente identificáveis, mas que atrasam o andamento do processo. É essencial que os cargos sejam preenchidos com pessoal de formação técnica e de carreira do serviço público.
Ligada a isso está a elaboração de projetos com estrutura e profundidade suficientes para a correta avaliação de custos e benefícios para as empresas interessadas na concessão, para usuários e para o Estado. Não é aceitável que projetos sem o devido rigor técnico continuem sendo utilizados como parâmetros para obras públicas e leilões. Como se pode verificar, tal prática gera a necessidade de revisão dos contratos, aumento de custos, atrasos e desgastes, além de prejuízos para os usuários.
Nesse contexto, a criação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) é um avanço, pois significa a retomada da capacidade de planejamento e priorização dos projetos de logística no Brasil. Esperam-se da empresa agilidade, transparência e diálogo com a sociedade.
Relativamente a esses três itens, entende-se que fazem parte de uma demanda da sociedade por um relacionamento mais próximo com o governo, que, em todas as esferas, deve manter um canal de comunicação para informar progressos e dificuldades encontradas, bem como receber sugestões e críticas. Os planos de investimentos, por exemplo, devem ser apresentados com cronogramas para as metas globais e parciais a fim de facilitar a discussão e o acompanhamento. Isso deve ser feito de forma periódica e com certa frequência – três vezes ao ano, como sugestão. Certamente, essa prática reduzirá atritos e incertezas mútuas.
A comunicação servirá para que todos compreendam a importância dos projetos para a nação. Eliminará dúvidas e mostrará de forma objetiva benefícios, custos e suas compensações/mitigações. Os servidores públicos, imbuídos dos propósitos dos investimentos, terão maior disposição para torná-los concretos. Tudo isso constitui motivação necessária para se construir um projeto de longo prazo.
Tratando-se de concessões públicas, é também imprescindível, independentemente do modelo a ser adotado, que os editais sejam claros e respaldados por modelos legalmente previstos, de forma a evitar questionamentos judiciais.
Neste caso, é necessário garantir, previamente ao início do certame, que todos os interessados tenham plenas condições econômico-financeiras de realizar o projeto. Somente então, deve-se prosseguir na concorrência, seja ela por menor tarifa, maior outorga ou outro critério. O importante é que empresas sem condições sejam inabilitadas já no início do processo.
De posse de todas as informações, a remuneração proposta deve ser calibrada levando-se em consideração os investimentos e os custos de oportunidade do capital. Sem retorno adequado, não será possível atrair o setor privado. Sabe-se, porém, que a eficiência empresarial é superior à pública e, no longo prazo, a sociedade ganha com menor despesa de manutenção de veículos, consumo de combustíveis e acidentes. Para que a sociedade aceite pagar os pedágios, ela precisa ser adequadamente informada sobre os benefícios que os custos destes embutem. É importante, ainda, que os contratos prevejam formas de estímulo ao aumento de produtividade e de repasse de parte desses ganhos à sociedade na forma de tarifas mais baixas. Assim, os benefícios se tornam mais concretos aos olhos dos usuários.
Finalmente, é preciso fortalecer a capacidade das agências reguladoras de garantir o cumprimento dos contratos de concessão e de prestação de serviços aos usuários. Somente dessa forma serão asseguradas a qualidade, a presteza e a eficiência de que carecem o Brasil.
4. Conclusões
Neste artigo buscou-se analisar a logística como elemento estratégico para a competitividade da economia brasileira e para a integração desta nas cadeias produtivas internacionais. O momento vivido pelo agronegócio nacional é emblemático da precariedade dos modais de transporte, pois há um contraste gritante entre um setor produtivo altamente eficiente e as ineficiências do transporte desde a porteira da propriedade até a descarga do produto nos navios.
Os ciclos econômicos são relativamente curtos, mas, se bem aproveitados, possibilitam que países deem verdadeiros saltos de competitividade e, com isso, proporcionem melhorias substanciais às suas populações. Aos que não sabem usufruir dos períodos de bonança, restará enfrentar a depressão de preços com infraestrutura atrasada, o que acentuará a perda relativa de competitividade.
O Brasil vive um momento favorável de aumento da renda e de forte urbanização dos países asiáticos. As matérias-primas locais encontram demanda certa e crescente naquela região, e isso tem garantido a geração de superávits comerciais na balança comercial do agronegócio. Outras commodities, como as metálicas, passam por situação semelhante.
Domesticamente, esse ciclo foi revertido em benefício da melhoria da qualidade de vida das pessoas, com foco no aumento do consumo. A economia cresceu, e o mercado interno é substancialmente maior que o de duas décadas atrás.
Cabe, agora, manter o ritmo de crescimento da economia pela elevação da produtividade do trabalho. Uma forma de isso ser feito é via melhoria da logística, atividade que gera elevados investimentos de capital e aumento do PIB potencial. Isto posto, será possível crescer a taxas mais elevadas e com menor pressão sobre os preços.
As condições são favoráveis e a sociedade já se conscientizou da necessidade de mudança do perfil de crescimento da economia brasileira. Basta pôr em prática soluções amplamente conhecidas e divulgadas aqui e no exterior. Mãos à obra!
1 TKU é a unidade que mede a produção de transporte pela multiplicação da quantidade transportada, em toneladas, pela distância útil percorrida, em quilômetros. Considera, de forma equilibrada, as duas variáveis, quantidade e distância, como medidas relevantes para a mensuração de serviços de transporte. 2 Esta seção teve como fontes apresentações do Movimento Pró-Logística (organizado pelas entidades Aprosoja, Ampa, Acrimat, OCB/MT, Famato, Fiemt,
Fecomercio/MT, Instituto Ação Verde, AMM e Crea/MT), e da consultoria Macrologística, e os relatórios
CNT (2011 e 2012).
Documentos consultados
1. BARTHOLOMEU, D.B., CAIXETA FILHO, J.V. Impactos econômicos e ambientais decorrentes
do estado de conservação das rodovias brasileiras: um estudo de caso. Piracicaba – SP, 2008.
2. CNT – Confederação Nacional dos Transportes. Pesquisa CNT de Rodovias 2012.
Brasília – DF, 2012.
3. CNT – Confederação Nacional dos Transportes. Pesquisa CNT de Ferrovias 2011.
Brasília – DF, 2011.
4. R. Velloso, C. Mattos, M. Mendes e P. S. de Freitas. Infraestrutura: os caminhos para
sair do buraco. 2013.
5. Ministério dos Transportes. Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário.
Brasília – DF, 2010.
6. Ministério dos Transportes. Projeto de Reavaliação de Estimativas e Metas do PNLT.
Brasília – DF, 2012.
7. Ministério dos Transportes. Plano Hidroviário Estratégico. Brasília – DF, 2013.
8. Movimento Pró-Logística. Logística no Mato Grosso. [Online]. Disponível em:
https://www.aprosoja.com.br/apresentacoes/. [Acesso em 25 setembro 2013].
9. CNT – Confederação Nacional dos Transportes. Plano CNT de Transporte e Logística 2011.
Brasília – DF, 2011.
10. ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários. PNIH – Plano Nacional
de Integração Hidroviária – vários relatórios. 19 fevereiro 2013. [Online].
Disponível em: https://www.antaq.gov.br/Portal/PNIH.asp. [Acesso em 18 setembro 2013].
11. Macrologística. Projeto Norte Competitivo. 15 março 2011. [Online]. Disponível em:
https://macrologistica.web427.uni5.net/index.php/br/midia/palestras-e-relatorios/228-projeto-norte-competitivo. [Acesso em 2 outubro 2013].
12. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática. [Online]. Disponível em: https://www.sidra.ibge.gov.br. [Acesso em 2 outubro 2013].